Ele arrumou o terno pela milésima vez e ajeitou a gravata, que embora ainda torta, refletia aquilo que ele enxergava contra a superfície empoeirada do espelho.
A vitrola no outro cômodo rodava lentamente um vinil velho e o blues se espalhava pela sala como fumaça.
Acendeu outro cigarro. "O cigarro é o templo do solitário", concluiu.
Era mais um domingo melancólico, porque domingos e melancolia eram coisas que combinavam naturalmente, como seus dedos amarelados e o copo de uísque sem gelo em cima da escrivaninha. Como seus livros mofados e a abstinência criativa pra escrever o terceiro capítulo daquele romance que não se concluía nunca. Escutou a voz do seu empresário ressoar na cabeça: "é o seguinte, se não terminar isso pra semana que vem tá acabado, entendeu? ninguém vai querer essa porcaria sem continuidade e você vai ficar falido o resto da vida."
Pensando bem, não se lembrava de quando não fora falido. "Sempre fui uma angústia eterna... e como o ser humano é viciado nessa ideia de eternidade, né?". Sorria sozinho pra não desabar sobre si mesmo, mantinha seus diálogos matinais pra fingir que existia algum tipo de espaço na eternidade solitária de um final de semana.
Por isso, todo domingo de manhã colocava o terno desbotado, deixava tocar baixinho seu blues depressivo e tomava outro gole amargo, acendia o cigarro de sempre e fingia que seria o último domingo que faria isso, porque ela iria voltar.
A semana passava e ela não voltava nunca.
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