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arco (íris)



By  bomdiathams     quinta-feira, agosto 29, 2013     
Ela tem o costume de escorrer dos meus dedos igualzinho tinta látex. 

Principalmente naqueles segundos derradeiros em que sinto o corpo dela enrugado por dentro e se continuar assim - assim, assim... - sei que ela vai explodir, gotejar, escorrer. Vou dar um mergulho de ponta cabeça naquela tensão e sentir cada pêlo se arrepiar sem que encoste neles.
Ela tem o costume de ficar vermelha - e começa pelas pontas dos pés, que ficam dormentes -, e de deixar o fulgor ir percorrendo seu corpo como uma cachoeira, mas de baixo pra cima. Ela é sempre sentido contrário. Eu vejo o acerejado começar a ficar mais forte quando passa pelas coxas, passeia pelo umbigo, um rubro que serpenteia sua pele. Chega até a ponta dos seios, divaga pelo pescoço e fica preso na garganta.
Parece que esse vermelhaço sanguíneo fica preso na garganta dela como ficaram presas nossas confissões, nossos segredos vulgares, nossa troca de olhares. Ela tem os olhos revirados nesse momento, o cabelo todo repuxado para trás, e as mãos apertam com força minhas costas. É um grito contido no travesseiro. É um eco direcionado pras paredes dos meus ouvidos. É música para anjos pornográficos.

Nela eu queria fazer corpoesia.
Deixá-la nua numa tarde de domingo e tatuar seu corpo com caio fernando abreu, um haikai da marla ou aquela última do antônio. Nas suas pernas cabem sonetos inteiros. Nas minhas mãos, todas as cores que ela pedir. Onde meus dedos-pincéis tocam tudo vira aquarela, misturando água e tinta, redemoinho de espectros coloridos. Como nossos corações aguados.
É uma troca justa. Ela me tatua com as unhas, cravando desenhos doloridos nos ombros e costelas. São marcas que eu sorrio quando dói. (Porque sorrir quando dói é uma das coisas que me fazem lembrar de você.)
Você cavou labirintos na minha pele pálida e sem graça. Eu transformei seu corpo num arco-íris.
E nós ainda não achamos a saída desse imundo imenso mundo preto e branco.




Sobre bomdiathams

Escrevo porque não sei lidar. Por isso sou tentativa, despedida, impossibilidade que termina em tempestade. Escrevo porque não me resta alternativa se não derramar. Escrevo pra me livrar, ser um dia livre - e inconstante, como todas as minhas nuvens. (Jornalista, militante e capitã da areia.)

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