Siga-Me
Trezentos e sessenta e cinco dias é o tempo aproximado que a Terra demora pra dar uma volta completa em torno do Sol.
Nós somos absolutamente insignificantes na lógica do universo. Nós não alteramos a rota da terra. Passarão anos, décadas e séculos e o mundo continuará seu ciclo. O que ninguém me ensinou sobre o tempo é justamente como suportá-lo. Quando você torna alguém seu Sol, como é possível viver o tempo depois que escurece?
A lição mais dolorosa sobre a partida é justamente aprender que as pessoas se vão.
365 dias atrás eu estava nessa mesma casa. Dávamos uma festa. Num minuto de silêncio, encostei numa porta, sozinha, e olhei pro céu. Até hoje eu não sei o porquê, mas meus olhos se prenderam na madrugada escura e pareciam se despedir. Como eu ia saber que há 400 quilômetros de distância você estava justamente se despedindo?
Eu quase não consigo aceitar que o tempo tenha passado. O tempo, esse que te roubou de mim. Esse que finge amenizar a saudade mas que me surpreende num dia qualquer com uma fotografia nossa caída no chão do quarto, que explode numa bomba de choro e saudade. Esse que me faz ver os olhinhos cansados de outras vovós sorridentes pelo parque e me faz desejar que fossem os seus perto de mim. Esse que me fez ter coragem, só um ano depois!, de abrir as fotos da sua última viagem.
Foi um ano inteiro sem escutar sua voz melodiosa arriscando músicas que eu nunca conheci. Foi um ano inteiro sem sentir suas mãos quentes me apertando durante perguntas que nunca acabavam. Foi um ano inteiro sem poder te olhar nos olhos claros de velhice. Foi um ano inteiro suportando uma cadeira vazia durante o almoço. Foi um ano inteiro procurando por você nas festas de família sabendo que você nunca chegaria. Foi um ano inteiro pensando no próximo inverno e sabendo que não poderia dizer pra você se cuidar e se cobrir. Foi um ano inteiro sem seus perfumes, sem poder te contar minha vida, sem te ver com roupas brilhantes, sem dizer que te amo.

Vovó me fez sabiá. Aceito a missão de voar pra ser tudo aquilo que ela se orgulhou um dia.

"- O que será que é a morte? - perguntei.
- A gente fica vivo ainda... mas sem as pessoas verem."

Pela saudade que não passa nunca. Te amo pelo tempo que for.
27/04.



Nós tínhamos uma barraca e um desejo em comum: criar uma revolução.

Se o céu não tivesse tantas estrelas, eu diria que você é uma que gosta de brilhar incessantemente atrás de um bom motivo pra não parar de acreditar. Eu diria que você é uma estrela travessa que pára de piscar só pra confundir os sábios, e que volta pra deixar claro que estará sempre ali.
Você tem alguma coisa nesse vestido estampado que me deixa curiosa pra descobrir como consegue lidar com tamanha liberdade. Sua independência é leve como as asas de uma borboleta, onde você pousa, alegre, e bate as asas como se nunca houvesse parado por ali. Como você provavelmente não sabe, eu me encanto fácil por quem tem o riso fácil, fumo compulsoriamente e não entendo as vigas cinzentas do capitalismo que tornaram o mundo um buraco fundo e sem deus (talvez eu entenda, na verdade).
Na verdade essas suas covinhas leves na pele negra tem um atrativo fora do comum, na verdade sua voz é tão doce que parece uma sinfonia feita por anjos cegos, um choro de viola intercalado pela sonoridade distante de uma gaita rasgando a noite, parece o horizonte suplicando pra ser explorado.
Menina, essa sua voz revolucionária ecoa tão fundo na minha alma que me dá vontade de conhecer todos os teus passos, de fazer parte deles, de tornar cada um deles uma história que caminhe junto com a minha. É como se cada esbarrão que nossas mãos dão sem querer fossem um pedido pra eu ter forças. (e funciona).

Nós tínhamos só uma barraca e a noite densa ao nosso redor. Por uma noite só, foi como se dormíssemos dentro de uma bolha, uma bolha imensa onde cada um dos nossos sonhos se costurava nas paredes e desenhava o mural de uma vida utópica.
Você tem uma boca linda de quem não se cansa de falar verdades. Uma boca linda cheia de eufemismos, de feminismos, de possibilidades. Uma linda boca revolucionária, dando causa às minhas indagações. Seu dom é dissolver dificuldades com um único sorriso.
Nós tínhamos uma noite só, onde por horas divagamos e concordamos sobre a melhor forma de realizar sonhos. Uma madrugada de filme... eu descobri sobre o seu jeito de dormir, de entender, de surpreender, de ser feliz. Você tem olhos de Capitu, de Capitães da Areia, de Frida, de Bruxa. Você tem o mundo inteiro dentro desse olhar, um mundo inteiro pra mudar, pra moldar, pra ajustar à medida daqueles que já não conseguem encontrar o caminho de si mesmos.
Enquanto você dormia, eu inventava novas paisagens pra gente dentro daquela barraca, e desejei que você fosse minha; mas não minha no sentido de propriedade - propriedade esta que lutamos pra destruir - e sim no sentido de minha companheira, minha amada e companheira. Eu quis que estivéssemos longe de qualquer amarra da sociedade pra que quando você acordasse, esse mundo novo e lindo que criou fosse verdade e pudéssemos rir dele, juntas.

Meu amor revolucionário durou uma noite e uma barraca. Eu guardo cada segundo aqui, gravado como inspiração pra luta diária que travo contra o mundo. É como se naquela madrugada tudo fosse realmente simples de ser resolvido. Como se falar de luta fosse fácil. Como se falar de amor fosse fácil.

Obrigada por mais um dia em que acordei com vontade de mudar o mundo.



A noite é cega. Mas só nela nos encontramos.
Cheiro de lugar apertado, cheio de gente apressada.
Dançam como se expulsassem o que há de mais secreto,
mais sujo e tendencioso aqui dentro.
O melhor em você é o cheiro de pecado.

São sorrisos triviais, quentes e secos como o deserto
onde você fica louco pra se perder.

Quero marcar meu corpo pra provar que já fui jovem:
Tatuagens, cicatrizes, mordidas. Arranhões, cortes, rasgos.
Qualquer confirmação em vermelho-sangue.
Qualquer coisa que doa e ainda me faça sorrir.
Uma lembrança dessa noite.

Você é uma dose de vodca pura, me desce rasgando
e faz o mundo girar.
Os passos todos cambaleiam, as paredes encolhem
Só sobra o tempo. Não dá pra segurá-lo.

Só sobra o tempo.
E eu quero gastá-lo todo te olhando essa noite.




O que sobra quando nos despimos das máscaras?
O que te sobra depois que desce do salto?
O que resta depois de desvendadas as fantasias?
E por que, por que, meu deus, chegamos a amar aquele que nos apunhala?

Eu penso que isso não é sobre medo, é sobre solidão.
É sobre pensar que gastou tanto tempo da sua vida sendo a sobra da sombra de alguém.
É sobre se destruir, se reconstruir e procurar pedaços de um eu que não existia antes, e que você não sabe como fazer pra existir agora. É ser um quebra-cabeças sem peças.
Eu fiz muito, ou muito pouco? Eu perdi ou ganhei? E isso que eles conhecem agora, é você ou é o que você se tornou depois de mim?

Ainda bem que eu fui embora. Já não dava mais pra ser infeliz lado a lado.


foto: "eu me chamo antônio"





















Você ama essa aventura louca, o modo como eu te faço sentir. Ama a sensação de conversar comigo como se pulasse de pára-quedas, como se subitamente seus pés saíssem do chão. Gosta de sentir na pele o conforto de me tocar sem compromisso.

Você gosta desse estrago. De me ver desconstruindo tudo só pra dar um espaço pra você habitar, e de deixar você ficar à meia noite de uma sexta chuvosa debaixo do cobertor, mesmo sem a promessa de que amanhã estaremos as duas dentro do mesmo quarto. Você gosta do modo como eu paro meu mundo pra fazer funcionar o seu.
Você gosta é de receber atenção, de quem sorri forçado pra você e tem sempre um elogio na ponta da língua. De quem passeia com os olhos pelo seu corpo todo, de quem perde minutos te vendo passar.
Você gosta de se sentir importante, de ter as unhas pintadas e de cruzar olhares com todos os caras altos e bonitos que provavelmente se interessam por você, mas que acha que não, simplesmente por que ainda não entendeu o que em você interessaria esses caras. No fundo você sabe.

Você não me ama, garota. Você ama nosso suor e nossos movimentos, mas amaria se fosse o suor e os movimentos de qualquer outra pessoa.
Você ama nossa dependência, nossa necessidade de se escorar uma na outra, apenas porque você não tem mais ninguém pra te salvar.
Você ama nosso vício, como somos feitas da mesma substância que fumamos. Você ama me tragar só pra poder me soprar pra longe.

Você está confortável na posição de mar e eu infeliz na posição de bóia. Você tem ao seu redor o mundo inteiro pra te fazer feliz e eu só tenho a mim mesma.

Por isso pego o caminho da rodoviária com todas as malas feitas, a casa trancada e o corpo fechado.

A gente não deve nada uma pra outra, mas se quiser, você paga a conta.

cena do filme "Eternal Sunshine of the Spotless Mind"

O coração é uma casa.
Uma casa de um cômodo só, imenso e pedindo pra ser habitado.

Meu coração precisa estar sempre em ordem.
Não há espaço aqui pra bagunça, pra mobília fora do lugar, pra bilhetes amarelados.

Meu coração tem de estar sempre limpo.
Faço uma limpeza todo final de dia. O que não me serve mais vai pro lixo. O que pode vir a servir eu deixo guardado, numa das milhares de caixas onde as coisas guardadas reaparecem às vezes.

Meu coração é tomado por janelas, pra que eu possa sempre vislumbrar o que há do lado de fora. Pra que eu possa desejar o que há do lado de fora.
É também recheado de portas, que se abrem e fecham pras novidades, que mantém aqui dentro o que é preciso manter.

Meu coração tem lareira, uma poltrona confortável e um bom livro de cabeceira.
Dentro dele não se passa frio, fome ou vontade. É só pedir pra entrar.

Meu coração não precisa de inquilinos.
Não quero contratos assinados, pagamento de aluguel.
Mas também não sei lidar com forasteiros.
Meu coração não é uma estação de trem.

É só pedir pra entrar.
Eu preciso de alguém
que goste de morar aqui.

cena do filme "Eternal Sunshine of the Spotless Mind"


— Mas o que você quer dizer com isso?

— Na verdade eu queria dizer que é justamente esse silêncio que vem da solidão, quem traz as respostas. E você (jura?) ainda não se acostumou com as minhas partidas prematuras? Não percebe que quando me der um bom motivo pra ficar, um abraço com cheiro de moradia, um afago quente como cobertores, deixar um bilhete carinhoso colado na geladeira, acordar cedo só pra me desejar bom dia, acabar com esses gestos sem cor e esses sorrisos ocos, tudo isso vai ser o suficiente pra que eu fique?

— Meu bem, eu gosto do cheiro da nossa saudade.
Ele arrumou o terno pela milésima vez e ajeitou a gravata, que embora ainda torta, refletia aquilo que ele enxergava contra a superfície empoeirada do espelho.
A vitrola no outro cômodo rodava lentamente um vinil velho e o blues se espalhava pela sala como fumaça.

Acendeu outro cigarro. "O cigarro é o templo do solitário", concluiu.

Era mais um domingo melancólico, porque domingos e melancolia eram coisas que combinavam naturalmente, como seus dedos amarelados e o copo de uísque sem gelo em cima da escrivaninha. Como seus livros mofados e a abstinência criativa pra escrever o terceiro capítulo daquele romance que não se concluía nunca. Escutou a voz do seu empresário ressoar na cabeça: "é o seguinte, se não terminar isso pra semana que vem tá acabado, entendeu? ninguém vai querer essa porcaria sem continuidade e você vai ficar falido o resto da vida."

Pensando bem, não se lembrava de quando não fora falido. "Sempre fui uma angústia eterna... e como o ser humano é viciado nessa ideia de eternidade, né?". Sorria sozinho pra não desabar sobre si mesmo, mantinha seus diálogos matinais pra fingir que existia algum tipo de espaço na eternidade solitária de um final de semana.

Por isso, todo domingo de manhã colocava o terno desbotado, deixava tocar baixinho seu blues depressivo e tomava outro gole amargo, acendia o cigarro de sempre e fingia que seria o último domingo que faria isso, porque ela iria voltar.
A semana passava e ela não voltava nunca.


Ela tem o costume de escorrer dos meus dedos igualzinho tinta látex. 

Principalmente naqueles segundos derradeiros em que sinto o corpo dela enrugado por dentro e se continuar assim - assim, assim... - sei que ela vai explodir, gotejar, escorrer. Vou dar um mergulho de ponta cabeça naquela tensão e sentir cada pêlo se arrepiar sem que encoste neles.
Ela tem o costume de ficar vermelha - e começa pelas pontas dos pés, que ficam dormentes -, e de deixar o fulgor ir percorrendo seu corpo como uma cachoeira, mas de baixo pra cima. Ela é sempre sentido contrário. Eu vejo o acerejado começar a ficar mais forte quando passa pelas coxas, passeia pelo umbigo, um rubro que serpenteia sua pele. Chega até a ponta dos seios, divaga pelo pescoço e fica preso na garganta.
Parece que esse vermelhaço sanguíneo fica preso na garganta dela como ficaram presas nossas confissões, nossos segredos vulgares, nossa troca de olhares. Ela tem os olhos revirados nesse momento, o cabelo todo repuxado para trás, e as mãos apertam com força minhas costas. É um grito contido no travesseiro. É um eco direcionado pras paredes dos meus ouvidos. É música para anjos pornográficos.

Nela eu queria fazer corpoesia.
Deixá-la nua numa tarde de domingo e tatuar seu corpo com caio fernando abreu, um haikai da marla ou aquela última do antônio. Nas suas pernas cabem sonetos inteiros. Nas minhas mãos, todas as cores que ela pedir. Onde meus dedos-pincéis tocam tudo vira aquarela, misturando água e tinta, redemoinho de espectros coloridos. Como nossos corações aguados.
É uma troca justa. Ela me tatua com as unhas, cravando desenhos doloridos nos ombros e costelas. São marcas que eu sorrio quando dói. (Porque sorrir quando dói é uma das coisas que me fazem lembrar de você.)
Você cavou labirintos na minha pele pálida e sem graça. Eu transformei seu corpo num arco-íris.
E nós ainda não achamos a saída desse imundo imenso mundo preto e branco.




Oi, você já pulou de pára-quedas?
Já correu a 200 km/h numa rodovia vazia? Já ficou sozinho na pedra da gávea olhando o mar e sentindo o silêncio da paisagem? Já esteve morrendo de frio e tomou uma ducha quente? Já bebeu a água da chuva enquanto corria dela? Já colocou o som no último volume e ficou dançando sem se importar que vissem? Já levou um choque que deixou os pelinhos do braço em pé?

O amor é mais ou menos isso.

É entrelaçar os pés, cheirar fotografias antigas, nunca abrir o livro que ganhou de presente. É passar o dia, a semana e o mês pensando que aquilo nunca vai dar certo, e quando abrir os olhos, notar que já se passaram anos. É abraçar e morar naquele abraço, naquele cantinho entre o cabelo e a nuca que guarda o cheiro do verdadeiro amor. É dormir apertados numa cama de solteiro e reclamar no dia seguinte de dor nas costas, mesmo sabendo que acordou de um sonho, e o sonho é real, deitado ali do seu lado. É querer estilhaçar a raiva na cara do outro quando aquela pontada de ciúme surge. (e essa mensagem, é de quem, posso saber?!)
Amar é andar na rua, sentir o cheiro do perfume de quem você ama, e sair abobado procurando de onde aquele cheiro veio. É deitar na rua pra procurar estrelas, é encontrar estrelas no olhar do outro. É cuidar da teimosia, do resfriado. É viajar 400km pra encontrar um sorriso, e brigar por causa da demora. É ver os vídeos da nossa infância e ficar imaginando que tudo aconteceu pra que um dia a gente acontecesse. É planejar o futuro nas mãos de quem você ama. É querer mudar o mundo pra deixar o mundo só um bocadinho mais bonito, pra quando nossos filhos vierem.

Amar pode ser olhar no espelho e se apaixonar pela própria retina! Amar-se!
Amar pode ser viver pra fazer feliz sua família. Amar as origens!
Amar pode ser cuidar pra que a amizade nunca morra. Amar os parceiros!
Amar pode ser escrever pra fazer alguém sorrir. Amar!

Você já amou hoje?
Ainda dá tempo!
fonte: tumblr