Siga-Me

Juliete às avessas.



By  bomdiathams     domingo, março 31, 2013     
E então, eu tirei minha Juliete às avessas pra dançar.

Nesse momento não sou o Santiago, o personagem de Gabito Nunes que sabe como encantar uma mulher com seu dom de escritor e suas palavras mágicas na cama. Estou mais pro Henry Miller em "Trópico de Câncer", numa vida boêmia-errante-viciada-em-vaginas. Só que numa versão sem vaginas.

Chovia, a noite era quente, e as sensações que a bebida provocava me deixavam leve e audacioso, como o garoto aventureiro que eu sei que fui um dia. Aquele moleque travesso, que jogava os cabelos pra trás e tinha na ponta da língua provocações dignas de Don Juan, reaparecia lentamente enquanto eu a segurava forte pela cintura, deixando nossos passos bêbedos se sintonizarem sozinhos.
Eu sorria como se tivesse rejuvenescido décadas, me sentia livre como um passarinho que acabou de descobrir a gaiola aberta e pela primeira vez foi espiar o mundo lá fora. Ela me olhava e aquele maldito olhar ficou gravado nas minhas pupilas, eu não sabia se queria rir de mim, se me achava o máximo ou apenas um jovem bobo. Mas ela me olhava, e poderia estar olhando e dançando com qualquer pessoa, mas estava ali, comigo.
Se desvencilhou de todas as minhas aproximações, e eu simplesmente a segui. A mulher que se alternava pra todos os lados, na minha frente, tinha a vivência de mil primaveras, e ao mesmo tempo a serenidade de uma criança. Ela parece até forte, poderia até ser, mas descobri que não por conta de um golpe de judô que a apliquei. Talvez tivesse perdido o equilíbrio apenas por conta da bebida, mas coloquei minha perna direita rapidamente atrás da sua, dei um leve empurrão e lá estava ela, quase caindo ao chão. A segurei como numa cena de cinema, nossos corpos descendo num ângulo de 90 graus, minhas mãos contra as suas costas, e quase pude beijar seus cílios, tão próximos estávamos. Mas sorri e a puxei pela perna, para que recobrasse sua posição original. Foi apenas uma demonstração idiota e viril de que se ela acabasse caindo, eu estaria ali pra evitar.
Ela largava meu corpo sozinho como se eu fosse uma bolinha de gude que se ignora pelo chão. Saiu saltitando na minha frente, os cabelos castanhos lhe caíam sobre a face, tornando aquela cena perfeita, quase surreal, quase um sonho. Comecei a cantar "singin' on the rain", só o refrão, e ela acompanhou, mas sabia a música toda. Fingiu que agarrava um poste no ar e girou, girou, me deixando obcecado. Quase nos beijamos, diversas vezes. Mas ela sempre se afastava.
Me disse: "tenho vontade de correr". Peguei-a pela mão e saímos correndo, dois idiotas, no meio de uma festa, correndo à todo vapor em volta daquelas pessoas desinteressantes. Eu sentia o calor das suas mãos, ela me via sumir entre os obstáculos e reaparecer, sem nunca soltá-la. Algumas cenas ficam gravadas no coração.

Não me lembro de muita coisa que disse, mas pela primeira vez, senti que não saiu uma única palavra de mentira da minha boca. Antigamente, me acostumei a escolher as vogais, as rimas, os poemas, pra levar as garotas pra minha cama e ter uma noite menos solitária naquela casa imensa. Dessa vez algo tinha mudado, não era qualquer garota, era a garota. O modo como ela colocava o cabelo atrás da orelha, como sorria e apontava o queixo pra baixo, como observava o céu e fugia de todos os meus assuntos foi me encantando.
Uma única noite e estava apaixonado. Apaixonado desde a primeira vez que a vi, três anos atrás, no colégio, no dia em que os veteranos iam fantasiados. Eu, claro, era apenas um garoto falsamente ingênuo que transava toda semana e não me envolvia com ninguém. Não sabia quem ela era, mas aquela mulher vestida de boxeadora, com o sorriso fácil e que meses depois passou na faculdade de medicina, era uma espécie de sonho.

Agora não paro de pensar na tal garota, a "quase Juliete". Como no folhetim, a personagem também é linda, inteligente e livre, tão livre que estamos separadas por uma distância simplória de alguns muitos quilômetros.
Sei pouco sobre ela. Sei que é descompromissada, que vive bebendo por aí, não sei se cerveja ou café, se acompanhada de homens ou mulheres. Sei que usa um colar que chama de "árvore de la vita", com um sotaque espanhol engraçado, mas que pra mim parece um cérebro. Sei que ela ficou feliz com a comparação, porque gosta de neurologia. Sei que faz arte, que vive intensamente, e encontra tudo o que precisa dentro de si mesma.

Será que ela quer saber alguma coisa de mim?

Só sei que não consigo mais dormir. Pensar nela não me deixa.

Imagem do folhetim Juliete Nunca Mais - Gabito Nunes (http://www.julietenuncamais.com.br/)

Sobre bomdiathams

Escrevo porque não sei lidar. Por isso sou tentativa, despedida, impossibilidade que termina em tempestade. Escrevo porque não me resta alternativa se não derramar. Escrevo pra me livrar, ser um dia livre - e inconstante, como todas as minhas nuvens. (Jornalista, militante e capitã da areia.)

Nenhum comentário: