Siga-Me

o vôo.



By  bomdiathams     terça-feira, fevereiro 12, 2013     


(Era uma vez alguém que tinha tudo pra dar errado.)

Suas formas, seu conteúdo, suas maneiras.
Os traços do seu corpo, o modo como tentava abrir as asas.
Era um besouro. E os besouros não deveriam voar.

Sua carapaça pesada, mais escura que o céu em noite de trovoada, 
nunca combinou com as pernas flexionando inutilmente pra fugir desse mundo.
Era uma antítese curiosa, parecer tão agressivo e ao mesmo tempo querer ser livre,
causar repugnância sem nunca ter deixado que lhe observassem de perto.

Por baixo da casca, o segredo dos pares de asas finas e supérfluas sempre o instigaram.
"- Pra quê asas, se eu não posso voar? Eu preferiria passar a vida perto dos pássaros do que desperdiçá-la desejando ter asas."

Um dia, ele se deparou com uma mudança. O mundo havia se aquietado. Nem mais um pio, nem a barulheira da água caindo, nem das árvores farfalhando, nem dos animais fazendo algazarra.
Nem uma voz de desprezo, nem uma risada irônica, ninguém mais notava seus defeitos.

Assim, silencioso, olhou pra dentro de si e finalmente entendeu. 
Não podia voar porquê não escutava a si mesmo. Mantinha-se preso ao chão por uma espécie de medo de errar, medo do novo, medo da impossibilidade, medo da improbabilidade de uma jornada incerta e provavelmente difícil.
Entendeu que bastava estar surdo ao mundo e dar um salto ao desconhecido.

Suas asas saíram naturalmente, como se agora fossem feitas de magia. Bateram com força contra o ar e o empurraram floresta adentro.

Dizem que os besouros não deveriam voar, eles têm tudo pra dar errado.
Só conseguiram porque ficaram surdos. Pararam de escutar a dor, e simplesmente,
foram.


Sobre bomdiathams

Escrevo porque não sei lidar. Por isso sou tentativa, despedida, impossibilidade que termina em tempestade. Escrevo porque não me resta alternativa se não derramar. Escrevo pra me livrar, ser um dia livre - e inconstante, como todas as minhas nuvens. (Jornalista, militante e capitã da areia.)

Nenhum comentário: