Descia em passos tortos, olhando para trás. Lembrei o quanto prometia não olhar pra trás, e no entanto olhava. A touca branca se distanciava na mesma velocidade. Parei de olhar.
Parei na esquina, os carros passavam, a noite subia alta, os meus olhos já turvos. Encostei na parede gelada e senti subir o arrepio de um adeus mal dado pelo corpo. Última olhadela. Ela já se fora.
Respirei fundo, deixando que meu pulmão inflasse subitamente naqueles poucos graus da grande São Paulo. Tudo era frio, desiludido e feroz. Eu era um erro numa rua qualquer.
Voltei a andar. Ainda torta. Passou por mim um homem que parou a me observar alguns metros à frente. Pensei "é mais provável que eu o assalte do que o contrário". Ele tinha a estatura baixa.
Na minha pressa fingida o ultrapassei.
Foi longo meu suspiro, e rápida a minha lágrima. As minhas lágrimas, plural maldito. Olhei para o lado sem medo e aquele homem estava ao meu lado. Eu ainda chorava.
- Moça... você está bem? Vi que estava chorando.
Não respondi. Apenas continuei. Também não acelerei ou diminui o passo. Apenas continuamos.
Ele reparou no silêncio comedido e continuou por si próprio.
- Você está triste? Brigou com o namorado?
Eu sorri. Senti o gosto salgado na boca em meio aquele sorriso sem querer.
Eu sorri. Senti o gosto salgado na boca em meio aquele sorriso sem querer.
- É. Pois é.
- Vocês brigaram porque...? ele disse, ansioso.
- Somos pessoas muito diferentes - eu completei.
Mas não sabia a resposta verdadeira. Apenas quis dizer isso, quis que ele não perguntasse mais nada e apenas seguisse seu caminho. Mas ao mesmo tempo, a falta de medo e a fala calma daquele rapaz me inspiraram a repelir esses pensamentos.
- Sabe, eu sou salva-vidas... talvez eu possa te ajudar.
Meus olhos pararam um instante nele mas logo voltaram para meu caminhar. A minha falta de resposta o incentivou a continuar falando.
- Meu chefe costuma dizer uma coisa toda vez que eu estou triste... quando você tem uma caixa, e coloca nessa caixa muita coisa... pouco a pouco ela vai ficando pesada, e uma hora acaba caindo da sua mão. Relacionamento é mais ou menos assim... talvez você deva dar um tempo, e não ficar colocando tanta coisa nessa caixa... suas expectativas, sabe?
- Sei.
- Então... onde você mora?
- Virando a próxima rua.
Paramos, depois de alguns quarteirões que pareciam ter passado rápido.
- Dá um tempo... espera ele te ligar. Pra mostrar que se importa, sabe. Homem é assim, é inseguro. Ele vai pensar em você, vai te ligar e tudo vai ficar bem. Você é muito bonita.
- Obrigada. Obrigada pelos conselhos. Acho que vou pra casa.
- Não fica até tarde na rua não. Se você quiser continuar conversando... pode me passar seu telefone.
Sorri mais uma vez. Dessa vez ele sorriu também. Tinha um rosto bonito, até. Simples. Normal. Mas bonito.
- Não acho que seja o certo. Mas obrigada mais uma vez pelos conselhos.
Ele recolocou as mãos no bolso e confirmou.
- Tudo bem então. Você é muito nova, tem muito o que viver e o que aprender. E você ainda vai crescer muito com isso, vai ganhar maturidade...
- Obrigada.
- De nada.
E ele foi. E eu fui. Sem olhar pra trás.
Dei uma volta no quarteirão e ainda pensei que poderia esbarrar nele. Mas algumas coisas acontecem do jeito que tem que acontecer.
Não o encontrei, e não me encontrei também.
Percebi que naquela metade de caminho entrei na rua errada pra fugir da verdade que saia de sua boca. A escapatória da minha realidade anda permeada de silêncio, e tive medo porque dele saiam verdades demais.
A noite me acolheu como se acolhe um filho tristonho. E não fez esforço pra secar meus olhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário