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By  bomdiathams     sexta-feira, outubro 08, 2010     
Ela vai. Desliga a luz. Mexe a toa nuns cadernos espalhados pela mesa. Tenta ocupar sua mente com tudo aquilo que não sai do seu coração.
Olha meio absorta sem realmente observar, o celular na escrivaninha está apagado também.
Exatamente como está apagada a sua luz. A luz da sua alma, o seu brilho, aquele lance ofuscante como quando você olha pra um farol de carro aceso no meio da noite. Dói o olho.
"É mais ou menos por aí", ela pensa. É um brilho agudo demais pra que as pessoas se acostumem. É brilho que dói, que apaga a todo momento, que fica enchendo o saco que nem pisca-pisca de véspera de natal. É quase isso.
Ela senta na cadeira e roda entre os dedos uma caneta. Seus dedos estão manchados de tinta, numa das mais de quinze tentativas de escrever algo produtivo que a fizesse ter vontade de parar de gritar. Um grito rouco e silencioso que não guarda dor nenhuma, apenas saudade, e que é perigosa justamente por isso: a dor quando é vazia ressoa no vazio e vai muito mais longe. Fica por muito mais tempo.
Deixa seus olhos suavemente se acostumarem com a solidão e com o silêncio da casa - finalmente - vazia. Olhos côncavos, fundos, castanho-escuros que só tem vontade de vagar também sozinhos e silenciosos. Ela nunca achou que pudesse mudar as personificações de todos os sentidos, sabe? Como dizer que olhos são silenciosos e bocas profundas e mãos observadoras. Ela mudou tudo, essa menina. Nem escrever ela sabe. Como alguém pode escrever sem saber amar?

Ela nunca aprendeu, mesmo. Quebrou tanto a cara, que a certo ponto resolveu ficar ali no chão. "Daqui eu não passo", ela constatou. Bem mais confortável manter-se logo deitada do que esperar em pé pra desabar de novo. Economizava assim o estrondo de mais uma traição.
Pois o cúmulo da traição é suicidar-se com punhaladas nas costas.

Deu um último toque na caneta, procurou uma folha em branco, sorriu. Estava tudo escuro. Via apenas a tela luminosa de um computador empoeirado e um celular que não lhe trazia bons agouros. "Não me traz porra nenhuma, essa tecnologia barata que não compra sentimento. Em que loja a gente compra isso? Como é que nós, crianças ou adultos, encontramos lojas vendendo amor, amizade, esperança? Não tem nada disso. A gente não encontra fácil, não."
A frustração com a tecnologia vinha de longa data, desde a época que criava diálogos em sua mente que nunca poderia usar. Desde quando falava monólogos com o vento e olhava pro celular esperando uma resposta qualquer, de uma pessoa qualquer, que simplesmente dissesse algo doce. Ela cansou de esperar que algo doce acontecesse.

Sua desesperança seria comovente se não fosse tão ridícula. Ela, que não tinha nada a temer. Que devia ser o herói, ao invés da pessoa a ser salva. Como o herói quer ser salvo? A história tem algo errado. "Acho melhor criar a minha própria história, então", concluiu.
A história que sua vida pedia ia além de dezesseis anos de momentos confusos, coisas burras de adolescentes e pontos finais que não deveriam ser chamados de finais. Nem de pontos.
Sua história pedia um quê de ação, uma aventura impossível, um romance inesquecível e milhares de vírgulas pra que não se acabasse nunca. Era isso o que ela queria: que nada nunca acabasse, por que sua fobia de ser esquecida ou ignorada ia além do que seu cérebro suportava. As palavras são um comichão engraçado que começa nas pontas dos dedos e se alastra pro fundo do peito, forçando barreiras inexistíveis e criando outras tantas; Fazendo barulhos estrondosos e abafando silêncios imaturos. Ela ainda não aprendera muito bem o que era o silêncio.

O celular vibrou, sua luzinha azul trêmula mostrava "você tem uma nova mensagem".
Ela apertou "ver". Sem medo de ver.
"Eu te amo."
O remetente era desconhecido. Ela não sabia de fato quem a mandara.
Excluiu a mensagem, foi dormir e esqueceu que a recebera.
Era um tipo de resposta qualquer, de uma pessoa qualquer, que simplesmente diz algo doce...

Mas afinal, ela não acreditava nisso mesmo.

Sobre bomdiathams

Escrevo porque não sei lidar. Por isso sou tentativa, despedida, impossibilidade que termina em tempestade. Escrevo porque não me resta alternativa se não derramar. Escrevo pra me livrar, ser um dia livre - e inconstante, como todas as minhas nuvens. (Jornalista, militante e capitã da areia.)

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