' Bem mais que o tempo que nós perdemos, ficou pra trás também o que nos juntou. '
Ah chuva.
As luzes se apagaram dentro e fora do castelo. Lentamente, o soldado vai despindo-se de suas futilidades: medalhas, armadura, capacete, espada. Um por um. Sendo retirados e pendurados em seus respectivos cabides, em seu portfólio.
A guerra não acabara, pelo contrário. As batalhas pareciam cada segundo mais mortíferas e desgastantes, e tudo à volta do soldado se pulverizada e enferrujava exatamente como a velha e feia armadura.
Ele se sentia magro, fraco e leve sem seus escudos. Mas sozinho naquele começo de noite, ele não sabia por onde ir. Pela primeira vez, não sentia o cheiro da guerra o conduzindo para determinado esconderijo. Dessa vez ele estava sozinho, incontatável. Sem ninguém pra olhar por ele; Sem ninguém pra pensar nele ou chorar sua morte. O soldado que batalhara sozinho agora se sentia o mais solitário e infame dos vermes. Chegou até a estranhar o levantar de seus olhos, procurando uma rua pra seguir. Mas naquele lugar, ele conhecia de cor cada passo, cada pedaço de tijolo que pisara.
Sabia o peso dos passos e das palavras por todas aquelas ruas, com seu cérebro martelando: não faça esse caminho!
Que teimoso era! Gostava da dor, a desconfortante e ardilosa dor que o alçava praqueles pesadelos que ele tinha de olhos abertos. Essa dor que abria seus olhos e o fazia ver quão fraco era, fraco, magro e leve.
Soube o tempo todo que estava sendo manipulado, que um dia quando estivesse velho seria largado de volta à origem pobre e inútil. Era um boneco de porcelana pros verdadeiros causadores da guerra - aqueles caras ricos e inteligentes que mandam soldados fracos, magros e leves pra acreditarem por um segundo que podem ser úteis.
E vão-se os bobos... iludidos por perspectivas de servir à pátria. Cegos acreditando que quando voltarem alguém estará pensando neles ou alguém chorará sua morte. Mas ninguém vai atrás de pobres soldados!
O que os faz não desistir?
Fé? Força de vontade? Ou a pura e derradeira ilusão?
Amor? Desejo de matar? Amor? Amor?
Ouça a entonação da palavra, ouça os fonemas penetrando em suas pupilas, em sua pele, em seus órgãos. O que te faz cometer mil erros e achar que está certo, o que te faz cometer mil acertos e aceitar estar errado? O que te faz cego, surdo e mudo, e bobo?
O que te faz um verdadeiro soldado?
Chega, eu não tenho respostas.
O fardo tornou-se pesado pro soldado que já se sente velho e cansado. Seus dias passam todos iguais e fica pelo chão o resto da sua pele: sua armadura, seu capacete, sua espada. Ele tenta ser humano mas não passa de um soldado, e soldados são odiados por causarem guerras. Soldados são desprezados porque matam uns aos outros. Soldados são esquecidos porque ninguém quer chorar sua morte, lembrar-se dele ou sequer tentar correr atrás de um magro, fraco e leve soldado.
Esse soldado com olhos de cor de solidão anda descalço seus caminhos cheios de pedregulhos. Agora que sente novamente nas cicatrizes as marcas de todas as balas, todos os cortes e enfim, todas as espadas que penetraram, sabe que não pode fraquejar embora tenha sido sempre fraco. É difícil largar os paradoxos quando você é um peão movido por outra pessoa que não você mesmo. Sem torres pra te proteger e nem funcionar a base de si mesmo. Pobre e miserável soldado, este.
Que larga tua própria vida por não conseguir levá-la adiante de mãos dadas.
Eu não tenho ninguém que olhe por mim,
Será que é por isso que estou perdido assim?
Um comentário:
'Os homens que nos fazem acreditar na guerra, geralmente nao sao os homens cujo o sangue dos filhos cai na terra...'
muito classe seu texto...parabens!
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