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Clarice Lispector - Ira



By  bomdiathams     domingo, dezembro 14, 2008    Marcadores: 
(...) Estou conhecendo o inferno da paixão. Não sei que nome dar ao que me toma, ou ao que estou com voracidade tomando, senão o de paixão. O que é isso que é tão violento que me faz pedir clemência a mim mesmo? É a vontade de destruir, como se para este momento de destruir eu tivesse nascido. (...) Eu me ouvirei? A força de destruição ainda se contém um instante em mim. Não posso destruir ninguém ou nada, pois a piedade me é tão forte como a ira; então eu quero destruir a mim, que sou a fonte dessa paixão. (...) Fui fechando as doçuras de minha natureza a cada golpe que recebi, e as doçuras negadas foram se enegrecendo como nuvens simples que vão se fechando em escuridão, e eu abaixo a cabeça á tempestade. (...) Se esta cólera só destruísse a mim. Mas tenho que proteger os outros – os outros têm sido a força de minha esperança. (...) Eu sofria, mas sem me sentir com direito de sofrer, e tinha que esconder não apenas a dor, mas sobretudo o que causara a dor. (...) Era a grande alegria de viver – e eu pensava que esta, sim, é livre. Mas como foi que transformei, sem nem sentir, a alegria de viver na grande luxúria de estar vivo? (...) Eu ainda não sei controlar meu ódio mas já sei que meu ódio é um amor irrealizado, meu ódio é uma vida ainda nunca vivida. Pois vivi tudo – menos a vida. E é isso o que não perdôo em mim, e como não suporto não me perdoar, então não perdôo os outros.

Sobre bomdiathams

Escrevo porque não sei lidar. Por isso sou tentativa, despedida, impossibilidade que termina em tempestade. Escrevo porque não me resta alternativa se não derramar. Escrevo pra me livrar, ser um dia livre - e inconstante, como todas as minhas nuvens. (Jornalista, militante e capitã da areia.)

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