Clarice Lispector - Ira
(...) Estou conhecendo o inferno da paixão. Não sei que nome dar ao que me toma, ou ao que estou com voracidade tomando, senão o de paixão. O que é isso que é tão violento que me faz pedir clemência a mim mesmo? É a vontade de destruir, como se para este momento de destruir eu tivesse nascido. (...) Eu me ouvirei? A força de destruição ainda se contém um instante em mim. Não posso destruir ninguém ou nada, pois a piedade me é tão forte como a ira; então eu quero destruir a mim, que sou a fonte dessa paixão. (...) Fui fechando as doçuras de minha natureza a cada golpe que recebi, e as doçuras negadas foram se enegrecendo como nuvens simples que vão se fechando em escuridão, e eu abaixo a cabeça á tempestade. (...) Se esta cólera só destruísse a mim. Mas tenho que proteger os outros – os outros têm sido a força de minha esperança. (...) Eu sofria, mas sem me sentir com direito de sofrer, e tinha que esconder não apenas a dor, mas sobretudo o que causara a dor. (...) Era a grande alegria de viver – e eu pensava que esta, sim, é livre. Mas como foi que transformei, sem nem sentir, a alegria de viver na grande luxúria de estar vivo? (...) Eu ainda não sei controlar meu ódio mas já sei que meu ódio é um amor irrealizado, meu ódio é uma vida ainda nunca vivida. Pois vivi tudo – menos a vida. E é isso o que não perdôo em mim, e como não suporto não me perdoar, então não perdôo os outros.
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